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O livro – E a vida continua – do casal Gláucia e Eduardo Tavares, trata da continuidade da vida, após perdas de grande impacto apresentando uma análise do luto e seus efeitos em nossas vidas.
Nas palavras da jornalista Leila Ferreira, é um livro essencial: um livro sobre o Luto em uma cultura que nega a morte e, ao negá-la, diminui o sentido da própria vida; por isso mesmo, um livro essencial.
O texto a seguir foi extraído e adaptado do livro.
Processando novas ideias e suportando as transições da vida
(Adap – Gláucia e Eduardo Tavares)
“O que é ficar de luto?
E aceitar que o passado se torne passado.
Essa aceitação é realmente uma condição de felicidade”
Leloup
Pode parecer estranho relacionar luto e alegria. Com a entrada no luto há o início do enfrentamento. Entrar no processo de luto implica em assumir uma posição ativa na vida. Não se sujeitar à posição de quem sofre a ação, mas se colocar como quem se dispõe a participar e colaborar com a vida, a partir das condições que se apresentam. Ir além das memórias lamurientas e postura rígida diante de um passado, que não é mais, e se dispor a construir pontes que nos permitam prosseguir. Esse é um trabalho que requer esforço e articula alegria e saúde.
Fazer luto requer disposição, dedicação lúcida, para aceitar tanto o que não se sonhou e o que não gosta como também se abrir para novidades desejadas. Essa adaptação é assumir um sim, responsável, aos desdobramentos da vida. A questão não é apagar o passado. Não se supera eliminando o que ocorreu. A proposta é buscar reparação, restauração, algo novo, ideias novas, descobrir o que nossas ilusões camuflam. Articular perdas e reconstrução de significado e de dignidade. Despedir de um passado elaborando o luto de maneira saudável.
Enlutar não é esquecer… é um desfazer-se. Cada laço, por menor que seja, tem que ser desamarrado, e algo permanente e valoroso, é recuperado e assimilado deste laço. O fim é um ganho, claro. Abençoados são aqueles que se enlutam, pois se tornarão, de fato, fortes. Mas o processo é, como todos os outros nascimentos humanos, doloroso, longo e perigoso.
MARGERY ALLINGHAM
Oferecemos como metáfora a esse trabalho a entrada em um túnel. Quanto mais se entra, mais próxima se apresenta a saída. ”Portanto em marcha! É sempre a mesma ideia, que nos convida a dar um passo a mais. Um passo a mais além do conhecido”. (LELOUP)
A educação para as perdas, para as mortes e para os lutos, é uma proposta de resgate à qualidade de vida das pessoas acometidas pela transitoriedade da vida, engrandecendo o amor. Para Thomas Man, “Todo interesse na doença e na morte é, em verdade, apenas uma outra expressão do nosso interesse na vida.”
Será que é possível viver bem, sem aprender a aceitar os limites do real? Segundo Guimarães Rosa, “viver é muito perigoso, porque ainda não se sabe. Porque aprender a viver é que é o viver mesmo”.
Viver é fazer esforço de vivenciar e aprender continuamente. Vida e real estão conectados. Vida é o espírito da alegria. Quem faz contato com o espírito da alegria, sente a vida. A vida é alegre, porque se renova e vitaliza.
… A alegria é dizer sim a vida. É o que nos permite ganhar potência para agir. Fazer o que se pode com os recursos disponíveis. Conseguir identificar um ponto mediado, além do qual, qualquer coisa é tóxica. O exercício de não deixar o gosto cair no desgosto.
A revolta contra a vida nos coloca em litígio com os acontecimentos. Na revolta, não há respiração, há sufocamento. Onde estamos revoltados, ficamos apegados ao passado. O apego ao passado funciona como uma prisão domiciliar, familiar e natural, não permitindo renovação, destruindo a vida. Há o perigo de se encher de quantidade, sem qualidade, transformando-se em uma carga pesada, acumulada, denominada excesso. Excesso e revolta são condições parasitárias. Adotar posição de intransigência, rigidez e recusa de aceitar os fatos da vida, é optar por se colocar como escravos da revolta e da amargura.
Luto é ir além da irracionalidade desmedida, conquistando posições moderadas. No lugar de paralisar nas críticas e recusas, abrir caminho que se apoia na decisão de aprender a aprender. No lugar de ficar preso à exclusividade do mundo material, compreender que a vida tem o simbólico, que reúne, e o sentimento, que vai além das emoções.
O trabalho do luto é definido como trabalho de transição psicossocial, desdobrando em reorganização pessoal, afetiva, familiar, social, profissional, espiritual. Requer desenvolver a sensibilidade de aceitar a verdade, o real e a razão objetiva. Delírio é a incapacidade de pensar e se organizar pelas evidências do real.
É preciso exercitar a capacidade de aprender a estar no presente, criando condições favoráveis para construir e desenvolver as relações com a vida, de forma reflexiva. Aprender a perder expectativas, aceitando as perdas sem se perder. Processar os sentimentos e acionar o simbólico.
Aprender a viver com a ausência do outro. A gratidão não anula o luto, consume-o. É necessário curar os infortúnios, pelo saber de que não é possível anular o que aconteceu. Trata-se de aceitar o que é, e o que não é mais; trata-se de passar da dor atroz da perda à doçura da lembrança.
MT
Como nos ensina o poeta:
Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque ausência, essa assimilada, ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade